Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) um em cada 300 pacientes morre devido a algum tipo de erro médico. No Brasil o cenário pode ser ainda mais sombrio, pois um estudo desenvolvido no ano de 2015 pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em parceria com o Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) estimou que 434 mil pacientes foram à óbito por esse motivo.
Introdução
Em geral estudos categorizam como erros frequentes o atraso de diagnóstico, má-interpretação de exames complementares, administração imprópria de medicamentos, dosagem inadequada de fármacos, intervenções desnecessárias ou realizadas com imperícia e desatenção à informação básica (por exemplo, negligência na verificação de reações alérgicas pré-existentes).
Não obstante a expressão dos números, o problema é mais abrangente do que o estudo sugere, pois o erro não é uma exclusividade da medicina, mas da área da saúde como um todo. É intuitivo supor que esse fenômeno também incide em todas as outras profissões como odontologia, fisioterapia, farmácia e enfermagem. Embora com desfechos menos graves que o óbito, muitos provavelmente deixam sequelas e limitações.
Todavia uma intervenção clínica não deve ser observada apenas sob a ótica reducionista do seu resultado, pois muitos desfechos decorrem de uma sequência de eventos nem sempre iniciada pelo profissional, pois erros, com muita frequência são circunstanciais.
Parece coerente supor que desfechos negativos das intervenções biomédicas podem ter um aumento de frequência quando as condições de trabalho não ideais, como, por exemplo, postos de saúde com excesso de atendimentos, hospitais com intermitência de plantões e universidades com deficiências na formação profissional.
Figura 01 - Problemas de infraestrutura, condições de higiene precárias e falta de equipamentos básicos são algumas das fragilidades identificadas por conselhos regionais de medicina em estabelecimentos da rede pública de todo o país. O levantamento corresponde a visitas que ocorreram entre 2014 e 2017 a 4.664 unidades de saúde (Fonte: Laboissière, P. Agencia Brasil, 2018).
Apresentação do Problema
Em todos os casos o erro é um evento singular determinado unica e exclusivamente pelo profissional da saúde, ou fatores que aumentam as chances de ocorrência estão presentes para a determinação de muitos eventos qualificados de modo geral com erro médico?
Melhores Práticas
Neste cenário também é relevante considerar o paciente como agente ativo para os resultados do seu tratamento e prevenção, pois esta variável nem sempre é correlacionada com o problema. Quanto da colaboração do partícipe contribui para a frequência do desfecho qualificado, de modo geral, como erro profissional? Tome como exemplo o caso do absenteísmo ambulatorial (não comparecimento do paciente a um procedimento previamente agendado em uma unidade de saúde sem informação prévia) que reduz a efetividade do tratamento do omisso e atrasa o diagnóstico do terceiro usuário. Ausência às consultas é um problema significante, variando, num espectro amplo, de 20% a aproximados 50% quando se observa as várias unidades da federação.
Também são situações frequentes o não seguimento das recomendações profissionais, como o adequado uso de medicamentos em quantidade e periodicidade, além da automedicação e a ausência de exames preventivos, permitindo que certas condições sofram agravamento. Nesta ótica os desfechos inesperados não decorrem apenas por culpa profissional, mas também do sistema e da sociedade.
Além da necessidade de uma consideração mais ampla sobre o significado do “erro”, o controle do problema só pode ser eficiente se o interesse pela questão tornar-se uma discussão pública envolvendo entidades de classe (educação) e academia (formação e pesquisa). A negação desta ocorrências dentro das instituições de saúde e o corporativismo entre pares apenas agrava o espectro de judicialização envolvendo profissionais da saúde.
Considerando as tendências impulsionadas pelas novas tecnologias (computação científica ) como a prática clínica baseada em evidências e a medicina de precisão, a necessidade de adequar a formação do profissional é premente, pois a liberdade de convicção do profissional (obrigação de meio) que outorga a decisão pela intervenção a ser aplicada no paciente passa a ser limitada pelo grau de recomendação clínica publicada e em ante-sequência pelo nível de evidência pesquisada. Deste fato surge a necessidade de domínio do método científico e sua aplicação para tomar decisões clínicas baseadas em probabilidades de risco/benefício.
Audio-conteúdo
Liberdade de convicção
Audio - A liberdade de convição do profissional da área da saúde na decisão pela intervenção clínica atualmente é limitada pelo grau de recomendação científica desta intervenção.
Sobre a essência das competências requeridas, reconhecer ensaios clínicos randomizados (padrão-ouro para a avaliação de intervenções clínicas) e analisar como preferenciais os estudos por intenção de tratar (atribuição de todos os pacientes aos grupos aos quais foram originalmente randomizados) são princípios a serem incorporados no universo da formação profissional. Isto pelo fato de que tanto na rotina clínica como nos estudos randomizados, pacientes e sujeitos (respectivamente) deixam de seguir as prescrições do profissional, logo a exclusão da amostra dos sujeitos não-aderentes ao tratamento prejudica a comparação, pois exclui da análise os erros sistemáticos (previsíveis). Esta estratégia de pesquisa mantém a vantagem proporcionada pela randomização, da distribuição balanceada de fatores de prognósticos nos grupos amostrais comparados, significa que o efeito da intervenção observada decorre realmente do tratamento avaliado.
Vídeo-conteúdo
Video - A prática clínica baseada em evidências e a computação científica são as principais ferramentas para a prática da medicina de precisão.
A relevância desta abordagem metodológica está na capacidade da quantificação da diferença dos resultados clínicos entre grupos de tratamento e controle (magnitude do efeito clínico) e na possibilidade de estimar a probabilidade de tal diferença não ser mera ocorrência do acaso (significância estatística), independente de ser clinicamente importante, pois a quantificação da significância clínica pode ser medida por outras técnicas, como o número necessário para tratar - NNT (quantifica a decisão de tratar e fornece elementos para comparar diferentes tratamentos para doenças diferentes).
Prática Clínica
Basear decisões clínicas exclusivamente na experiência e em impressões pessoais é a base do método de tentativa e erro. Neste a intervenção é aplicada e no caso de desfecho desfavorável, uma nova tentativa é realizada. Entretanto tal método não prima pela eficiência. A prática baseada em evidências busca substituir as impressões pessoais como subsídio para decisões pelas intervenções validadas pelo método científico.
O erro é um evento social. Gera consequências para a saúde das pessoas, um alto custo para o Estado (internamento, retratamento, medicação, afastamento do trabalho) e aumenta a frequência de judicialização como forma de solução de conflitos entre profissionais, instituições, planos de saúde e pacientes (segundo o Conselho Nacional de Justiça - CNJ acusações sobre erro médico somaram 70 novas ações por dia no Brasil no ano de 2017), logo sua abordagem pode não ser exclusividade médica na sua natureza, tampouco sua solução.
Referências Bibliográficas
SILVA, A. A. Prática Clínica Baseada em Evidências. São Paulo:Santos, 2009.
SILVA, A. A. Empreendedorismo na Área da Saúde. Amazon. 2014.