Por qual motivo estudar a bioengenharia do crescimento craniofacial? Qual sua relação com o processo de diagnóstico? O motivo é simples. Raras são as maloclusões que não estão relacionada a um desvio do crescimento. Logo, profissionais que não dominam o conhecimento sobre o processo de crescimento e desenvolvimento craniofacial dificilmente conseguirão elaborar um adequado raciocínio propedêutico para concluir de modo correto o dagnóstico dos seus casos clínicos.
Vamos aplicar o raciocínio na prática. Tente elencar alguns exemplos de maloclusões que você trata na sua clínica quais não sejam decorrentes de desvios do crescimento?
Pensou numa classe II? Mordida profunda ou talvez cruzada? Condições frequêntes no cotidiano da clínica.
Uma classe II de Angle é definida com a disrelação dos arcos dentários no sentido ântero-posterior. Entretanto a classificação (que usa como critério a posição do molar) não torna evidente que o real problema é um desvio de crescimento, tão pouco qual o fator causal.
Uma mordida profunda é reconhecida por suas características dentárias, mas também é um desvio de crescimento no sentido vertical. Por sua vez a atresia de maxila está relacionada à alteração transversal de crescimento. Então sobram apenas algumas maloclusões localizadas que não apresentam relação com o crescimento craniofacial, como cruzamentos dentários.
Identificar maloclusões não é tarefa difícil, basta uma sistematização da inspeção clínica nos três sentidos do espaço para organizar o processo de observação das arcadas, seguida da verificação da discrepância de modelos.
Propedêutica - A observação ordenada e sistemática dos arcos dentários nas três dimensões do espaço perfaz uma técnica eficiente para identificar desvios. No sentido vertical existem apenas duas possibilidades de desvio: mordida aberta ou profunda. No sentido transversal só pode haver: mordida cruzada ou expandida. No sentido antero-posterior as duas opções são: prognatia ou retrognatia. Por fim, para a discrepância de modelos as variações podem ser: positiva ou negativa.
Definimos que as alterações do curso do crescimento craniofacial estão relacionadas a quase totalidade das maloclusões e que a observação dos arcos segundo as três relações espaciais associado à verificação da discrepância de massa dentária facilita a identificação de desvios. Entretanto é importante lembrar que os dentes e arcos estão relacionados direta ou indiretamente com outras contrapartes do complexo craniofacial. Conhecer a estrutura, origem, desenvolvimento, crescimento, alterações naturais do envelhecimento desse complexo, bem como os limites anatômicos para movimentação dentária, ortopédica e cirúrgica aumentará a precisão e a estabilidade dos casos planejados.
Apresentação do Problema
Como fazer um boa ortodontia sem conhecer bioengenharia e crescimento? Uma atresia de maxila sempre é causada por deficiência da maxila? Ou pode resultar de uma alteração de outra parte do complexo craniofacial? É possível protrair ou avançar a maxila com resultados estáveis? Qual o limite anatômico dessa intervenção? E se o problema for em outra contraparte refletindo-se na maxila? Como identificar e tratar?
Discussão
Embora o tema crescimento e desenvolvimento craniofacial componha o currículo da grade de graduação e pós-graduação, são pouco especialistas que dominam os conhecimentos mínimos sobre o assunto (conhecimento propedêutico). Vamos situar o problema.
Você recebe na sua clínica um paciente do sexo masculino, com idade de oito anos e aparente atresia de maxila no sentido antero-posterior. O conhecimento propedêutico necessário para diagnosticar, planejar, definir a técnica mais eficiênte bem como estimar o prognóstico está relacionado à bioengenharia e crescimento craniofacial. Entao, nesse exercício responda: COMO CRESCE A MAXILA?
Qual o nível de resposta alcançado? Talvez, a maxila cresce para frente e para baixo? A maxila cresce na puberdade? Pois além de ser um conhecimento absolutamente insuficiente para planejar um caso, as duas respostas estão erradas.
Temos então um grande problema. Se o conhecimento propedêutico mínimo não é corrente na especialidade, como almejar que os resultados das intervenções fiquem estáveis além de contar com a sorte?
O conhecimento propedêutico na prática clínica
Considerando que a sua técnica nunca será melhor que o conhecimento que a fundamenta, chegamos a duas situações. Primeiro, já discutido no Tema 01: Ortodontia Baseada em Evidências, a informação qual devemos consumir deve ser resultado de estudos científicos com alto rigor metodológico. Segundo (Tema 02), é necessário dominar o conhecimento mínimo (propedêutica) para planejar a técnica com eficiência.
Entretanto, sobre a segunda situação, a formação do odontólogo, em particular do ortodontista, ainda é essencialmente voltada ao treinamento técnico, com vasta carga de adestramento manual (clínica) e menor tempo dedicado à crítica à informação (análise dos níveis de evidência que fundamentam as intervenções clínicas). Grande parte das publicações e conferencias em congressos ainda diz respeito ao “como fazer?” e não "porque fazer? (É como ligar os cabos da sua TV, você pode ler o manual sobre como fazer, mas não tem ideia por qual motivo está fazendo).
Um exemplo clínico desse argumento é o caso de atresia de mandíbula. Basta verificar na mídia corrente (artigos, 'dicas' no facebook e propagandas de laboratórios) que existem aparelhos com parafuso expansor sugeridos para esse fim. Para fazer o tratamento, basta seguir a técnica, pois ela descreve "como fazer". Primeiro instalar o aparelho e depois ativar o parafuso expansor segundo a prescição publicada na literatura para obter o efeito ortopédico e corrigir o desvio. A pergunta é, por qual motivo a técnica descrita é ineficiente?
Audio-conteúdo
O problema da expansão ortopédica de mandíbula
Biologia do crescimento - Para um aparelho ortopédico promover seus resultados, além da adequada biomecânica, ele deve estar consoante com uma série de características biológicas do complexo craniofacial.
Pensando de modo científico, seria prudente refeltir por ocasião do planejamento sobre questões como: Existe um mecanismo de crescimento na região? A qual estímulo o mecanismo de crescimento responde? Ele está ativo? Qual a melhor idade para intervir? A biomecânica é adequada para gerar estímulo? Por quanto tempo deve ser mantida? e por qual período?
Observe que existe uma grande diferença entre 'repetir a técnica' e 'refletir sobre a técnica' utilizada. Sem o conhecimento mínimo qualquer intervenção incorrerá em alto risco de insucesso e o resultado mais frequênte é a recidiva. Em síntese, não importa a técnica se essa não está baseada em conhecimento científico e se o profissional não conhece a fundamentação para tomar a melhor decisão clínica.
Bioengenharia e Crescimento Craniofacial
O complexo craniofacial é resultado de milhares de anos de adaptação, sua forma está relacionada de modo íntimo à função. O profissional precisa conhecer seus fenômenos (biogênese, anatomia, fisiologia, desenvolvimento, crescimento, maturidade e envelhecimento) para tratar com eficiência e obter resultados estáveis.
Entretanto a ortodontia clássica não usa ferramentas apropriadas para investigar o processo de crescimento durante o planejamento dos casos clínicos. Tome como exemplo as análises cefalométricas ou mesmo as tomografias, essas técnicas limitam-se à uma visão anatômica do complexo craniofacial, entretanto o crescimento envolve muitos outros processos fisiológicos que são simplesmente desconsiderados.
Mehores Práticas
Sobre o uso do conheciomento na sua clínica, saiba que o mundo não mais recompensa o indivíduo por aquilo que ele sabe (o Google sabe mais), tão pouco pela capacidade de reproduzir o que se sabe (os smartphones podem reproduzir). O mundo atual recompensa pelo que o indivíduo pode fazer com o conhecimento que possui, pelo uso do conhecimento
A respeito da dimensão fisiológica é necessário dominar o conhecimento básico sobre endocrinologia, pois se o paciente estiver em fase de crescimento e considerando que grande parte das maloclusões estão relacionadas ao desvio do curso desse fenômeno, como planejar adequadamente o caso quando o profissional desconhece como e quando os hormônios atuam sobre cada contra-parte do complexo craniofacial? Ainda sem citar a importância da biologia molecular, em particular a genética, sobre o diagnóstico e prognóstico de cada desvio de crescimento.
O problema da recidiva na protração maxilar
Lembra-se do problema sobre como cresce a maxila? Vamos compreender um pouco melhor como o conhecimento sobre bioengenharia e crescimento craniofacial pode melhorar os resultados do seu planejamento.
Um raciocínio quase automático dos especialistas quando identificam uma atresia de maxila é considerar a expansão e protração como técnicas de eleição para o tratamento. Entretanto, para esses casos, a literatura é controversa quanto a estabilidade dos resultados obtidos, mesmo quando a intervenção cirúrgica é realizada. Qual o motivo?
Vídeo-conteúdo
Diagnóstico diferencial - Protoclos de tratamento não funcionam para problemas diferentes, mesmo que os sinais clínicos sejam semelhantes.
Para a prática clínica baseada em evidências as maloclusões, em geral, não são os problemas a serem tratados, mas são sinais clínicos. Existe um fator etiológico que causou a maloclusão, provavelmente relacionado ao desvio do processo de crescimento e desenvolvimento craniofacial. Esse precisa ser identificado e compreendido. De outro modo a prática ortodôntica será empírica, baseada apenas na repetição da técnica e incorrendo com grande frequência em falhas, uma das quais a instabilidade dos casos tratados.
Prática Clínica
Segundo Burstone, já em 1944, a estabilidade começa com o primeiro exame clínico e inclui um bom levantamento de dados e um adequado plano de tratamento. O que mudou nos últimos anos foi o reconehcimento e uso da informação científica para esse fim. E se você estiver atento às tendências futuras, considere as novas tecnologias de levantamento e tratamento de dados para diagnosticar e planejar.